domingo, 10 de junho de 2007

Uma outra opinião

Luizinne Lins e o Parque do Cocó


Tão grande é a influência dos poderosos nos destinos de nossa cidade, Estado ou País que daí se positiva uma grande dificuldade: delimitar o que seja interesse privado e interesse público. A tão alardeada iniciativa privada e o sempre invocado direito de construir são apresentados como argumentos propulsores de um desenvolvimento de setores industriais, comerciais ou empresariais, que geralmente deixam de considerar os interesses maiores da cidade e de seu povo, como, por exemplo, a preservação de suas riquezas naturais, ou seja: bosques, lagoas, rios, mangues, dunas e florestas nativas.

Lembro, quando criança, dos passeios que fazia, segurando a mão firme e carinhosa de meu saudoso pai, jornalista e ecologista Morais Né, pelos mais diversos recantos da minha querida Fortaleza. No Parque do Cocó, visualizávamos, além do mangue cheio de plantas nativas, caranguejos, várias espécies de peixe e uma grande salina natural explorada pela família Diogo. Salina essa que foi totalmente destruída, dando lugar a revendas de carros e prédios residenciais.

Parte do Cocó deixou de existir para dar lugar ao crescimento do Shopping Iguatemi. Lagoas e riachos desapareceram, pois foram aterrados a fim de dar passagem a edifícios das mais diversas empresas da construção civil. Nesse afã, Fortaleza se desenvolveu, substituindo sua floresta natural por uma selva de pedras. Desumanizou-se. O Código de Posturas do Município foi corrompido e aviltado com a conivência de uma Câmara Municipal que modificou o gabarito de construções na orla marítima. Onde o limite era de onze andares, passou a ser de vinte e seis... Resultado: a aragem marinha, fresca e benfazeja, foi bloqueada, piorando as condições climáticas e a qualidade de vida. Mas muita gente ganhou dinheiro. É o que basta!

A sanha do crescimento empresarial só tem olhos para a contabilidade do empreendedor bem sucedido. Pouco importa que a cidade morra pouco a pouco e seu povo fique cada vez mais sem opções de lazer, aumentando a miséria. As lagoas, rios e riachos somente são vistos por esses senhores como local para jogar esgotos sanitários e detritos. As construções são geralmente predatórias e agressivas ao meio ambiente, causando danos irreparáveis ao ecossistema. O Ibama, a Semace e o Ministério Público bem que precisam coordenar melhor suas ações em defesa da cidade.

A anunciada construção de uma torre empresarial dentro do Parque do Cocó é, em si, uma violência inominável. Pouco importa que seja um empreendimento do grupo Otoch, Jereissati ou Dias Branco. Isso não tem a menor importância porque a questão não é pessoal ou subjetiva. É de uma objetividade pujante. A prefeita Luiziane Lins tem a prerrogativa administrativa e constitucional de suspender o alvará de construção e até cassá-lo, inclusive, indo à Justiça Fazendária defender o interesse do município e de seu povo. Isso requer uma atitude de coragem político-administrativa que deve ser enfrentada. E logo!

A história do referendo é uma fuga do problema. Primeiro, quem vai pagar o tal referendo ao TRE-CE, que custaria cerca de R$ 2,5 milhões? O contribuinte, certamente. Por que, então, não aplicar essa cifra na recuperação dos parques e Apas? Ou na construção de leitos de UTIs e escolas. A sociedade precisa ser ouvida. A questão é mais séria do que parece.

Zélia Moraes Rocha é procuradora de Justiça do Ministério Público do Ceará.

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